Gostaria de ficar mais um pouco bebendo esse vinho barato, mas os olhares para o lugar que estou ocupando me distraem. Um hiato entre como eu me vejo e como as pessoas me veem. É que eu não falo para ninguém, mas meu coração é de moça. Me apaixono todos os dias por tudo o tempo inteiro,
e me desapaixono logo em seguida.
O vinil girando ininterruptamente na vitrola. Lá no fundo caetano cantarolando que é "proibido proibir". Penso que nós seres humanos somos uma hipérbole de contradições. Seres dotados de um espaço enorme para a angústia. _ Sabe que as vezes eu sinto uma saudade de mim. São as minhas doses homeopáticas de intensidade.
E assim entre uma taça de vinho e outra, entre um sorriso e outro, fiz paisagens com os meus sentimentos. Mais gosto, mais cheiro, mais tato e ainda mais nitidez. A mente um pouco embebecida e de tanto recitar para mim aquele texto do Manoel de Barros acabei decorando-o : "A maior riqueza do homem é a sua incompletude.."
E foi na possibilidade da imperfeição que me senti plena.
Clarissa Perna