domingo, 29 de janeiro de 2012

Uma avenca que partiu: Um ensaio sobre as despedidas...


Leia escutando : http://www.youtube.com/watch?v=Yakt0mo8eJE

"Céu, tão grande é o céu
E bandos de nuvens que passam ligeiras
Prá onde elas vão, ah, eu não sei
E o vento que toca nas folhas
Contando as histórias que são de ninguém
Mas que são minhas e de você também
Ai, Dindí..."

Tom Jobim






O começo do ano me pegou no contrapé, uma avenca despedaçada. O céu encheu-se de um laranja avermelhado,como se ali tivesse tido uma batalha. Batalha essa interna, talvez. Hoje, entre laços de dúvidas, restou-me o caos e a calma; a decepção e a raiva. Tempo esse de um olhar já viciado, já exausto.

Meu coração partiu, p ara outro lugar. O ferimento em si nem dói tanto. A combustão está na mentira. Palavras tão pequenas. Versos sem propósito. Música fora do tom. Frases ditas antes de serem pensadas, assim no susto, assim no nada.O que já foi irretocável não tem mais retoque.


Teu ar sufocou meu canto. Foste ludibriado com suas próprias ilusões.Embora estivesse totalmente sóbrio, estava mergulhado até a lama na embriaguez da sua culpa. Entre uma opinião desconhecida e uma conhecida, vou ficar com quem me conhece, mesmo que não seja favorável a mim, essa é a minha sentença.


Um sonho curto, ruim e mesquinho dentro do meu sonho maior, longo e aberto.Nesse mesmo compasso, a vida torna a correr, rápida, bruta, nua . E eu estou um pouco mais brutalizada. Mexida. Violada. Mas continuo com o olhar para o nascer do sol, pra metade do copo cheio. Cheio de vida, de intensidade, de vísceras, de mel.

Me refaço, me renovo, me destruo e me escasso. Me reconstruo de qualquer fracasso, qualquer dor, qualquer perda de rota. Nessa tarde chuvosa, sem sol , sem luz, tenho a esperança concreta que amanhã o dia vai raiar, pra que eu possa me inventar de novo.

Clarissa Perna

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Vai- te Janeiro !!!


"Além da última estrela
Além da insensatez total
Vão as palavras mais belas
Além do fim do jardim do caos"

Além da Última Estrela



Vai-te Janeiro dos furacões e das chuvas;
das marcas e feridas na lua;
dos retoques de incongruências;
e da insensatez mais pura.

Vai-te Janeiro, dos prédios caídos;
dos escombros empoeirados, do barro;
do silêncio, do fel e do fardo.

Vai-te Janeiro da inconstância nua;
do sexo sem ternura;
da São Paulo rasa e crua;
dos amores irretocáveis de caos.

Vai-te Janeiro do Rio sem samba;
dos términos e das andanças;
da irrelevância de quem faz rima mas não ama.

Vai-te Janeiro, das amarras e das lágrimas;
das relações complexas entre as almas;
dos porres e dos beijos com hora marcada.

Vai-te Janeiro do céu sem estrelas;
Saldando Fevereiro, folião das delicadezas;
tempo das prosas, das bossas e das sutilezas.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Orgasmos e Poesia





http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=vKK2y4lsH0A
Cícero - Pelo Interfone...(ler escutando)

"Fala pra ele
Do disco do tom jobim
Do seu apelido e de mim
Ah, dindi
Se tu soubesses como machuca
Não amaria mais ninguém
Fala pra ele
Que a vida é um balão
Pra cuidar do seu coração.."


Hoje quero saldar essa coisa deliciosa que é o acaso.Esses encontros preenchidos de sutilezas. Saldar o tempo que tem me servido diariamente pequenas doses de normalidade, com pedras congeladas de caos.

Estar dentro de mim é muito vasto. Dentro do meu avesso, da minha lógica bagunçada, afogada, liberta. Dentro desse pensamento safado meus poros sorriem feito loucos.Intensidade, poesia, boemia.

Que bom amanhecer florindo, permitindo, querendo, sentindo, por merecimento ou mero acaso o orgasmo chegar em forma de flor.


Clarissa Perna

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Vicky Cristina Barcelona: Só o amor incompleto pode ser romântico




"O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem."
Fernando Sabino


Sempre que vejo os filmes do Wood Allen fico pensativa. Vejo , revejo , transvejo a fotografia, os diálogos, o enredo. Com esse, Vicky Cristina Barcelona, o mais almodoviando dos filmes do Allen, não poderia ser diferente.

Vicky preza a estabilidade no amor acima de tudo. Cristina, por outro lado, não sabe o que quer, mas sabe o que não quer. Sua liberdade , mesmo que ilusória é o seu maior bem.As duas amigas se apresentam como dissonantes no quesito paixões. Na verdade, elas podem ser encaradas como dois lados de uma mesma moeda. À maneira alleniana,Vicky e Cristina encarnam a dualidade do ser humano, que a maior parte do tempo opta por ostentar somente um determinado aspecto de sua personalidade.

Temos inseridos no enredo o clamor pela arte, encarnados na figura do artista Juan Antonio e de sua ex, futura e eterna mulher , Maria Helena. Com traços sôfregos e caóticos eles dão cor e vida ao filme. Uma deliciosa mescla entre o pragmatismo de duas jovens,e a intensidade de dois artistas.

Há também a complexidade das relações humanas, os diferentes conceitos em relação ao amor, o dilema entre as emoções e a consciência, as inconstâncias entre o mundo das artes e da boêmia.De maneira despretensiosa e totalmente direta é possível observar três pontos de vista distintos sobre o mesmo tema, o amor.

O filme é um brinde à vida. Sensibilidade é a palavra chave, o amor como forma de experimentação. Mesmo assistindo-o por incontáveis vezes, uma cena ficou por dias rondando os meus pensamentos. Exatamente a cena em que um dos personagens diz:“Só o amor incompleto pode ser romântico”.

Intriga-me pensar que os grandes amores não tenham futuro, não sejam eternos.O grande amor, o amor arrebatador será sempre aquele nunca realizado, ou nunca vivenciado em sua plenitude.A idealização é sempre mais mágica. Ama-se pelo mistério ou pelo tormento que o outro provoca em nós.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Tatuagem: O corpo que virou papel



Junto al descubrimiento de sí mismo
como indivíduo, el hombre descubre su
rostro, signo de su singularidad y de su
cuerpo, objeto de su posesión”
(LE BRETON, 1995, p. 20)


Dias atrás recebi um conselho e um pedido inusitado de uma senhorinha de cabelos cor de areia, ao ver e tentar analizar minhas quatro tatuagens.

Aquele rosto de experiências marcadas dizia-me bem assim."- O que fazer quando a gente muda e a tatuagem permanece? A marca do ser humano é ser transitório. Tentar fixar na pele uma paixão, um momento, uma filiação, é inútil. As coisas passam, elas nos escapam.
- Minha filha tatue o corpo, mas nunca tatue sua alma!"

Na hora nada respondi.Então é o que tortuosamente tento fazer aqui.

Senhora dos lábios cor de amora, você têm a ilusão de vida eterna. Eu não! As minhas tatuagens não são para sempre, existirão somente até eu morrer.É como se ao menos o corpo ainda fosse esse lugar possível de se apropriar.É a sobrevivência de uma marca permanente em um mundo fatigado de imagens e símbolos tão passageiros.


O tatuador se aproxima, aumenta o contato, a agulha perfura meu corpo, a dor aparece, vestígios de sangue são limpos para que continue a injeção de tinta sobre os pontos demarcados, mudanças contínuas, coloração da pele, traços de tinta começam a aparecer, vida que emana na superfície de um corpo.

Senhora dos olhos de jabuticaba, meu corpo tornou-se papel.Fabrico minha própria transcendência pessoal a cada tatuagem.Mensagem cifrada, simbólica, um teorema existencial colado na pele, a lembrança de algo que estou sendo, já fui ou que deixei de ser, mas continuo sinalizando.Sim, as minhas tatuagens são feitas de corpo e alma e carinhosamente enfatizo: - MAIS ALMA QUE CORPO.

Clarissa Perna

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A(L)titude: Sobre intensidades e arrepios



O dia é calmo. As horas aflitas. A lucidez me enlouquece.Tanta gente querendo se encontrar e eu freneticamente louca pra me perder. Um perder-se no lusco-fusco, no acaso. Acho mesmo que o que faço aqui é um não pensar.


Sou a taurina mais ariana que conheço. O excesso é fundamental. Sou da tribo dos intensos, dos etéreos, dos loucos. Gosto do que tem sabor de pecado, do imoral , do censurado. Falta de juízo e vísceras. Entendeu ?

Estudo todas as manhãs a fisiologia das minhas preocupações. A fatalidade do acaso me parece boa conselheira.Como Clarice tenho a tendência deliciosa de pousar os olhos nas pessoas, nos objetos estáticos, pelo simples prazer de contempla-los SENDO.Desperte-me sentimentos incríveis. Ai então leio-te uma frase, ou um parágrafo. Ou o livro inteiro, se me deixares.

Delicadamente e só por hoje desejo-me vodka e arrepios.Então deixo que a vida aconteça, como sempre acontece…Mais importantes que o leite, são a canela e o mel...eles é que dão o sabor.


Clarissa Perna